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TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. QUINTA-FEIRA

88. AS LÁGRIMAS DE JESUS

– Jesus não permanece indiferente à sorte dos homens.

– A Santíssima Humanidade de Cristo.

– Ter os mesmos sentimentos de Jesus.

I. JESUS DESCIA pela vertente ocidental do monte das Oliveiras, dirigindo-se ao Templo. Acompanhava-o uma multidão cheia de fervor que gritava louvores ao Messias. Num dado momento, Jesus parou e contemplou a cidade de Jerusalém que se estendia aos seus pés. E ao vê-la, chorou sobre ela1. Foi um pranto inesperado, que quebrou a alegria de todos.

Naquele instante, o Senhor anteviu como anos mais tarde a cidade que tanto amava seria destruída por não ter conhecido o tempo em que Deus a visitara. O Messias percorrera as suas ruas, tinha-lhe anunciado a Boa Nova, os seus habitantes tinham visto os seus milagres..., mas continuara na mesma. Se ao menos neste dia, que te é dado, tu conhecesses ainda o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque virão para ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão e apertarão por todos os lados; e te arrasarão a ti e aos teus filhos, e não deixarão pedra sobre pedra: porque não conheceste o tempo da tua visita2.

Através destas linhas, pode-se ler a angústia que oprimia o coração do Senhor. “Mas por que Jerusalém não entendeu a graça especialíssima de conversão que lhe era oferecida naquele mesmo dia com o esplendor do triunfo de Jesus? Por que se obstinou em fechar os olhos à luz? Tivera várias ocasiões de reconhecer Jesus como o seu Messias e Redentor; esta seria a última. Se rejeitasse este derradeiro benefício, todos os males descritos na profecia cairiam irremediavelmente sobre ela. E rejeitou-o – ó dor! –, e tudo se cumpriu à letra”3. O Senhor encheu-se de aflição, pois Ele não permanece indiferente à sorte dos homens. A sua pena foi tão grande que os seus olhos se encheram de lágrimas.

São João menciona noutra passagem essas lágrimas de Jesus que podem ser muito consoladoras para a nossa alma. O Mestre chegara a Betânia onde tinha morrido o seu amigo Lázaro. A irmã de Lázaro, Maria, foi ao seu encontro e, quando Jesus a viu chorando, estremeceu no seu espírito, comoveu-se e disse: Onde o pusestes? Eles responderam: Senhor, vem e vê. Naquele momento, Jesus deu rédea solta à sua dor pela morte do amigo, e começou a chorar. Os judeus presentes exclamaram: Vede como o amava4.

Jesus – perfeito Deus e homem perfeito5 – sabe amar os seus amigos, os seus íntimos e todos os homens, pelos quais deu a vida. Este amor que revela na sua aflição é a expressão humana e sensível do afeto e da compaixão com que nos vê. E hoje, nestes minutos de oração, podemos contemplar a profundidade e a delicadeza dos seus sentimentos, e compreender como Ele não é indiferente à nossa correspondência a essa amizade e salvação que nos oferece. Quantas vezes se deixa encontrar pelos que o procuram, quantas vezes se faz encontradiço dos que não o procuram!

“O homem não pode viver sem amor. Torna-se um ser incompreensível para si próprio e a sua vida fica privada de sentido se não lhe for revelado o amor, se não se encontrar com o amor, se não o experimentar e tornar próprio, se não participar dele vivamente [...]. O homem que queira compreender-se profundamente a si próprio [...] deve – com a sua inquietação, a sua incerteza e mesmo com a sua fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte – aproximar-se de Cristo. Deve, por assim dizer, entrar nEle com tudo o que é em si mesmo, deve «apropriar-se» e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para encontrar-se a si mesmo. Se este processo profundo se desenvolver nele, então esse homem produzirá frutos, não somente de adoração de Deus, mas também de profunda maravilha perante si próprio. Que grande valor deve ter ele aos olhos do Criador, se mereceu ter um tal e tão grande Redentor (Missal Romano, Hino Exsultet da Vigília Pascal), se Deus deu o seu Filho, para que ele, o homem, não pereça, mas tenha a vida eterna (cfr. Jo 3, 16)”6.

Não deixemos de manifestar ao Senhor diariamente que somos conscientes desse amor que Ele tem por nós, um amor que está sempre à nossa espera.

II. A VIDA CRISTÃ consiste numa amizade crescente com Cristo, em imitá-lo, em tornar nossa a sua doutrina. Seguir Jesus não consiste em entreter-se em difíceis especulações teóricas, nem mesmo na mera luta contra o pecado, mas em amá-lo com obras e sentir-nos amados por Ele, “porque Cristo vive. Não é Cristo uma figura que passou, que existiu num tempo e que se retirou, deixando-nos uma lembrança e um exemplo maravilhosos”7.

Ele vive agora no meio de nós: vemo-lo com os olhos da fé, falamos com Ele na oração, e Ele escuta-nos mal lhe levantamos o coração; não é indiferente às nossas alegrias e pesares, pois “pela sua Encarnação, uniu-se de algum modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado.

“Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida por meio do seu sangue livremente derramado. NEle Deus nos reconciliou consigo e entre nós, arrancando-nos da servidão do diabo e do pecado. De modo que cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim (Gál 2, 20)”8, por cada um de nós, como se não houvesse outros homens na terra. A sua Santíssima Humanidade é a ponte que nos conduz a Deus Pai.

Hoje consideramos as lágrimas do Senhor por aquela cidade que tanto amou, mas que não reconheceu o momento mais decisivo da sua história: a visita do Messias e os dons que oferecia a cada um dos seus habitantes. E meditamos ao mesmo tempo nas ocasiões em que nós pessoalmente o enchemos de aflição pelos nossos pecados, e o magoamos por não termos sabido corresponder a tantas provas de amizade. E recordamos também as ocasiões em que lhe fizemos sentir a nossa ausência, como naquele dia em que esperava que regressássemos para agradecer-lhe a cura da nossa lepra, e não o fizemos, e fomos à nossa vida como se nada de mais nos tivesse acontecido.

Se não amamos Jesus, não podemos segui-lo. E para amá-lo, temos de meditar com freqüência as páginas do Evangelho em que Ele se mostra profundamente humano e tão próximo de tudo o que é nosso. Umas vezes, vê-lo-emos fatigado da viagem9, sentado cheio de sede à borda do poço que fora de Jacó, depois de uma longa caminhada num dia de muito calor, e servindo-se dessa pausa para converter uma mulher samaritana e muitos habitantes da vizinha cidade de Sicar. Contemplá-lo-emos com fome, como no dia em que, a caminho de Jerusalém, se aproximou de uma figueira que só tinha folhas10; ou tão esgotado depois de uma jornada intensa de pregação que acabou por adormecer na barca sacudida por um mar revolto11.

Para amá-lo e segui-lo, temos de contemplá-lo: a sua vida é uma inesgotável fonte de amor, que torna fácil a entrega e a generosidade no seu seguimento. E “sempre que nos cansemos – no trabalho, no estudo, na tarefa apostólica –, sempre que haja cerração no horizonte, então, os olhos em Cristo: em Jesus bom, em Jesus cansado, em Jesus faminto e sedento. Como te fazes compreender, Senhor! Como te fazes amar! Tu te mostras como nós, em tudo menos no pecado, para que saibamos palpavelmente que contigo podemos vencer as nossas más inclinações, as nossas culpas. Que importância têm o cansaço, a fome, a sede, as lágrimas!... O que importa é a luta – uma luta amável, porque o Senhor permanece sempre ao nosso lado – para cumprir a vontade do Pai que está nos céus (cfr. Jo 4, 34)”12.

III. O PRANTO DE JESUS por Jerusalém encerra um profundo mistério. O Senhor expulsou demônios, curou doentes, ressuscitou mortos, converteu publicanos e pecadores, mas em Jerusalém tropeçou com a dureza dos seus habitantes. Podemos entrever um pouco do que o seu Coração experimentou quando deparamos atualmente com a resistência de tantos que se fecham à graça, ao chamamento divino. “Por vezes, diante dessas almas adormecidas, dá uma vontade louca de gritar-lhes, de sacudi-las, de fazê-las reagir, para que saiam dessa modorra terrível em que se acham mergulhadas. É tão triste ver como andam, tateando como cegos, sem acertar com o caminho! – Como compreendo esse pranto de Jesus por Jerusalém, como fruto da sua caridade perfeita...”13

Nós, os cristãos, continuamos a obra do Mestre e participamos dos sentimentos do seu Coração misericordioso. Por isso, olhando para Ele, temos de aprender a amar os nossos irmãos os homens, a sofrer por eles e com eles, compreendendo as suas deficiências, sendo sempre cordiais e estando disponíveis e à espera da menor ocasião para ajudá-los. Quando poderemos dizer que este ou aquele coração se fechou definitivamente à graça, como os habitantes de Jerusalém? E sobretudo alguma vez poderemos dizer que fizemos por essas pessoas tudo o que Jesus fez por Jerusalém? Não nos queixemos da dureza dos corações, ou antes, queixemo-nos ao Senhor para que Ele tenha piedade e abrande esses corações.

E sejamos perseverantes na nossa ação apostólica. Não existe nunca nenhum não definitivo. Não existe para a graça divina, que pode suscitar das próprias pedras filhos de Abraão14. Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos15. Ainda não chegamos a esse grau de imitação de Cristo na sua entrega por Jerusalém, pela salvação de toda a humanidade.

Peçamos hoje à nossa Mãe Santa Maria que nos dê um coração semelhante ao do seu Filho, que nunca nos deixe permanecer indiferentes perante a sorte dos que estão diariamente em contacto conosco.

(1) Lc 19, 41; (2) Lc 19, 41-44; (3) L. C. Fillion, Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, FAX, Madrid, 1966, pág. 173; (4) Jo 11, 33-36; (5) Simbolo Atanasiano; (6) João Paulo II, Carta Encíclica Redemptor hominis, 4.03.79, 10; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 102; (8) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 22; (9) Jo 4, 4; (10) cfr. Mc 11, 12-13; (11) Mc 4, 38; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 201; (13) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Sulco, n. 210; (14) Mt 3, 9; (15) Jo 15, 13.

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