TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. SEXTA-FEIRA
89. CASA DE ORAÇÃO
– Jesus expulsa os mercadores do Templo.
– O templo, lugar de oração.
– O culto verdadeiro.
I. UMA DAS LEITURAS previstas para a Missa de hoje é uma passagem do Livro dos Macabeus1 em que se narra que Judas e seus irmãos, depois de vencerem os inimigos, decidiram purificar e renovar o santuário do Senhor que fora profanado pelos gentios e pelos que não tinham sido fiéis à fé dos seus antepassados.
Dirigiram-se para lá cheios de alegria, ao som de cânticos e de cítaras, de liras e de címbalos. E todo o povo se prostrou com o rosto por terra, e adoraram e levantaram a voz até ao céu, e bendisseram a Deus.
Celebraram a dedicação do altar durante oito dias e ofereceram com grande júbilo holocaustos e sacrifícios de ação de graças e de louvor. E adornaram a fachada do templo com coroas de ouro e com pequenos escudos; e restauraram as entradas do templo e os quartos, e puseram-lhes portas. E foi extraordinária a alegria do povo, e o opróbrio das nações foi afastado. Judas Macabeu determinou que esse dia fosse celebrado todos os anos com grande solenidade. O Povo de Deus, depois de tantos anos de opróbrio, manifestou a sua piedade e o seu amor a Deus com um júbilo transbordante.
O Evangelho da Missa2 mostra-nos Jesus santamente indignado ao ver o estado em que se encontrava o Templo, de tal maneira que expulsou dali os que vendiam e compravam. No Êxodo3, Moisés tinha disposto que nenhum israelita se apresentasse no Templo sem nada que oferecer. Para facilitar o cumprimento dessa disposição aos que vinham de longe, montou-se no átrio do Templo um serviço de compra e venda de animais para serem sacrificados. Mas essa medida, que a princípio podia ter sido tolerável e até conveniente, degenerou de tal modo que a primitiva intenção religiosa ficou subordinada aos benefícios econômicos da turba dos comerciantes, que talvez fossem os próprios servidores do Templo. O resultado foi que o Templo passou a parecer mais uma feira de gado do que um lugar de encontro com Deus4.
Movido pelo zelo da casa de seu Pai5, por uma piedade que brotava do mais fundo do seu Coração, Jesus não pôde suportar aquele deplorável espetáculo e expulsou dali todos os vendilhões, com as suas mesas e animais, sublinhando a finalidade do templo com um texto de Isaías bem conhecido de todos6: A minha casa é casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões.
O que o Senhor quis ensinar a todos e nos quer ensinar a nós é o respeito e a compostura que se deve guardar na Casa de Deus, como devem ser a nossa devoção e o nosso recolhimento nesses recintos sagrados que são as igrejas, onde se celebra o sacrifício eucarístico e onde Jesus Cristo, Deus e Homem, está realmente presente no Sacrário. “Há uma urbanidade da piedade. – Aprende-a. – Dão pena esses homens «piedosos», que não sabem assistir à Missa – ainda que a ouçam diariamente –, nem benzer-se (fazem uns estranhos trejeitos, cheios de precipitação), nem dobrar o joelho diante do Sacrário (suas genuflexões ridículas parecem um escárnio), nem inclinar reverentemente a cabeça diante de uma imagem de Nossa Senhora”7.
II. A MINHA CASA é casa de oração. Quanta luz se desprende desta expressão que designa o templo como casa de Deus! Como tal devemos considerá-lo. Devemos entrar nele com amor, com alegria e também com um grande respeito, como convém ao lugar onde está – à nossa espera! – o próprio Deus.
Com freqüência, temos notícia ou assistimos a atos e cerimônias da vida pública, acadêmica, esportiva: uma recepção, um desfile, umas Olimpíadas... E percebemos imediatamente que o protocolo e uma certa solenidade não são supérfluos. Esses detalhes, às vezes mínimos – as precedências, o modo de vestir, o ritmo pausado de andar... –, entram pelos olhos e dão ao ato uma boa parte do seu valor e do seu ser.
Também entre as pessoas, o carinho demonstra-se por meio de pequenos pormenores, atenções e cuidados. A aliança que os futuros esposos se presenteiam ou outras atenções parecidas não são em si mesmas o amor, mas não há dúvida de que o manifestam. É o rito singelo que o homem tem necessidade de observar para exprimir o mais íntimo do seu ser. O homem não é apenas corpo nem apenas alma, carece de manifestar a sua fé por meio de atos externos e sensíveis que revelem bem o que traz no seu coração. Quando se vê, por exemplo, alguém dobrar o joelho pausadamente até o chão diante do Sacrário, é fácil pensar: tem fé e ama a Deus. E esse gesto de adoração, resultado daquilo que se traz no coração, ajuda quem o faz e todos os que estão presentes a ter mais fé e mais amor. O Papa João Paulo II alude neste sentido à influência que teve nele a piedade simples e sincera de seu pai: “O mero fato de vê-lo ajoelhar-se – conta o Pontífice – teve uma decisiva influência nos meus anos de juventude”8.
O incenso, as inclinações e genuflexões, o tom de voz adequado nas cerimônias, a dignidade da música sacra, dos paramentos e objetos sagrados, o decoro desses elementos do culto, a limpeza e cuidado com que se conservam, foram sempre manifestações de um povo que crê. O próprio esplendor dos materiais litúrgicos facilita a compreensão de que se trata sobretudo de uma homenagem a Deus. Quando se observam de perto alguns ostensórios da ourivesaria dos séculos XVI e XVII, nota-se que, quase sempre, a arte se torna mais rica e preciosa à medida que se aproxima do lugar destinado à Hostia consagrada. Às vezes, desce a pormenores que quase não se notam: o melhor da arte concentrou-se no ponto em que se diria que só Deus a pode apreciar. Este cuidado até nas coisas mais pequenas ajuda muito a reconhecer a presença do próprio Deus.
Para o Senhor, também não é indiferente que o cumprimentemos em primeiro lugar ao entrarmos numa igreja, ou que nos empenhemos em chegar pontualmente à Missa – melhor uns minutos antes –, que façamos uma genuflexão bem feita diante dEle no Sacrário, que mantenhamos uma atitude recolhida na sua presença... O templo é para nós um lugar em que prestamos culto a Deus, em que o encontramos com uma presença verdadeira, real e substancial?
III. GRANDE PARTE das prescrições que o Senhor comunicou a Moisés no Sinai tendiam a fixar em detalhe a dignidade de tudo o que se referia ao culto. Especificava-se como se devia construir o tabernáculo, a arca, os utensílios, o altar, como deviam ser confeccionadas as vestes sacerdotais, como deviam ser as vítimas que se ofereceriam; que festas deviam ser guardadas; que tribo e que pessoas deviam exercer as funções sacerdotais...9
Todas essas indicações mostram que as coisas sagradas estão ligadas de uma maneira especial à Santidade divina; com elas, o Senhor demonstra a plenitude dos seus direitos. Naquele povo, tão freqüentemente tentado pelos ritos pagãos, Deus sempre procurou infundir um profundo respeito pelas coisas sagradas. Jesus Cristo sublinhou esse ensinamento com um espírito novo. Precisamente o zelo pela casa de Deus, pela sua honra e pela sua glória, constitui um ensinamento central do Messias, que Cristo nos transmitiu ao expulsar energicamente os vendilhões do Templo; durante a sua pregação, insistirá no respeito com que se devem tratar os dons divinos; houve ocasiões em que o fez com palavras muito fortes: Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas10.
Atualmente, assistimos em muitos lugares a uma onda de dessacralização. São atitudes por trás das quais jaz uma concepção atéia da pessoa, para a qual “o sentido religioso, que a natureza infundiu nos homens, deve ser considerado pura ficção ou imaginação, e deve, portanto, ser totalmente arrancado dos espíritos por ser absolutamente contrário ao caráter da nossa época e ao progresso da civilização”11.
Ao mesmo tempo, vemos crescer, mesmo entre pessoas que se chamam cultas, as práticas adivinhatórias, o culto desordenado e doentio pela estatística, pela planificação...: a incredulidade está presente em toda a parte. É que, no íntimo da sua consciência, o homem pressente a existência de Alguém que rege o universo, e que não é apreensível pela ciência. “Não têm fé. – Mas têm superstições”12.
A Igreja recorda-nos que somente Deus é o nosso único Senhor. E quis determinar muitos detalhes e formas do culto, que são expressões da honra e do verdadeiro amor devidos a Deus. Não se limitou a ensinar que a Santa Missa é o centro de toda a Igreja e da vida de cada cristão, e a determinar a sua liturgia; quis, além disso, que as nossas igrejas fossem verdadeiras casas de oração. Estabeleceu que os templos estivessem abertos nos horários convenientes “para que os fiéis possam facilmente orar diante do Santíssimo Sacramento”13. Dispôs14 o que foi prática constante através dos séculos: o Sacrário deve ser sólido, deve estar num lugar de destaque e ao mesmo tempo recolhido, para que os cristãos possam honrar o Santíssimo Sacramento também por meio do culto privado. Ao entrar num templo, deve-se saber com sinais claros onde está o Sacrário; por isso, prescreve-se o conopeu (o véu que deve cobri-lo normalmente), e que no altar do Sacrário arda constantemente uma lamparina com vela de cera... São detalhes que devem ser em primeiro lugar manifestações de amor e de adoração a Jesus Cristo, realmente presente, e só em segundo lugar sinais indicadores da sua presença.
Todos os fiéis, sacerdotes e leigos, devem ser “tão cuidadosos no culto e na honra a Deus que possam com razão chamar-se zelosos mais do que amantes..., para que imitem o próprio Jesus Cristo, de quem são estas palavras: O zelo da tua casa me devora (Jo 2, 17)”15.
(1) Mac 4, 36-37; 52-59; Primeira leitura da Missa da sexta-feira da trigésima terceira semana do Tempo Comum; (2) Lc 19, 45-48; (3) cfr. Êx 23, 15; (4) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, nota a Mt 21, 12-13; (5) cfr. Jo 2, 17; (6) Is 56, 7; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 541; (8) André Frossard, No tengais miedo, Plaza y Janes, Barcelona, 1982, págs. 12-13; (9) cfr. Êx 25, 1 e segs.; (10) Mt 7, 6; (11) João XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra, 15.05.61, 214; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 587; (13) Paulo VI, Instrução Eucharisticum mysterium, 25.05.67; (14) ibid.; (15) Catecismo Romano, III, 2, n. 27.