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TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. QUARTA-FEIRA

87. QUEREMOS QUE CRISTO REINE

– Instaurar todas as coisas em Cristo.

– A não aceitação de Cristo.

– Propagar o reinado de Cristo.

I. JESUS ESTAVA PERTO de Jerusalém e isso fez muitas pessoas pensarem que estaria iminente a chegada do Reino de Deus, um reino – conforme essa falsa opinião – de caráter temporal. O Senhor, imaginavam, entraria triunfalmente na cidade depois de vencer o poder romano, e eles teriam um lugar privilegiado quando chegasse esse momento. Esses sonhos, tão afastados da realidade, eram uma prolongação da mentalidade existente em muitos círculos judeus da época. Para corrigir a fundo essa mentalidade, Jesus expôs a parábola que o Evangelho da Missa de hoje nos relata1.

Um homem de origem nobre partiu para um país longínquo a fim de receber a investidura real. Era costume que os reis de territórios dependentes do Império Romano recebessem o poder real das mãos do Imperador, e às vezes tinham até que ir a Roma. Na parábola, este personagem ilustre deixou a administração do seu território nas mãos de dez homens da sua confiança e partiu para receber a investidura. Deu-lhes dez minas, um pequeno tesouro, para que o fizessem render: Negociai com eles até eu voltar. Esses homens cumpriram o encargo: emprestaram a juros, compraram e venderam. Trabalharam bem para o seu senhor por uma longa temporada...

Ora, é isso o que a Igreja continua a fazer desde o dia em que recebeu o imenso Dom do Espírito Santo – enviado por Cristo – e, com Ele, a infalível palavra de Deus, a força dos sacramentos, as indulgências... “Em vinte séculos, trabalhou-se muito; não me parece nem objetivo nem honesto – comentava o Bem-aventurado Josemaría Escrivá – a ânsia com que alguns querem menosprezar a tarefa dos que nos precederam. Em vinte séculos realizou-se um grande trabalho e, com freqüência, realizou-se muito bem. Em certas épocas, houve desacertos, recuos, como também hoje há retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não faltam atitudes de valentia e generosidade. Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é necessário continuar com o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus, e inculcar-lhe o mandamento do amor ao Criador e ao próximo”2. A vida é um tempo para fazer frutificar os bens divinos.

Corresponde-nos a cada um, a cada cristão, fazer render agora o tesouro de graças que o Senhor deposita nas nossas mãos, enquanto “vivificados e congregados no seu Espírito, caminhamos para a consumação da história humana, que coincide plenamente com o seu desígnio de amor: Restaurar todas as coisas em Cristo, as que estão nos céus e as que estão na terra (Ef 1, 10)”3. Esta é a nossa tarefa até o momento em que o Senhor volte para cada um, isto é, até o momento da nossa morte: procurar com empenho que o Senhor esteja presente em todas as realidades humanas. Nada é alheio a Deus, pois todas as coisas foram criadas por Ele, e para Ele se dirigem, dentro da autonomia própria de cada uma: os negócios, a política, a família, o esporte, o ensino...

Eis que venho depressa – diz hoje o Senhor –, e a minha recompensa está comigo, para retribuir a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim4. Só nEle os nossos afazeres aqui na terra encontram o seu sentido. A Igreja inteira é depositária do tesouro de Cristo: quando cada um de nós luta por ser fiel aos seus deveres, aos compromissos que adquiriu como cidadão e como cristão, a santidade de Deus cresce no mundo.

II. ENQUANTO aqueles administradores fiéis procuravam com empenho fazer render o tesouro do seu senhor, muitos dos seus concidadãos aborreciam-no; e enviaram atrás dele uma embaixada encarregada de dizer: Não queremos que ele reine sobre nós. O Senhor deve ter introduzido com muita pena estas palavras no meio do relato, pois fala de Si mesmo: Ele é o homem ilustre que partiu para terras longínquas. Jesus via nos olhos de muitos fariseus um ódio crescente e a rejeição mais completa. Quanto maior era a sua bondade e maiores as provas de misericórdia que dava, mais crescia a incompreensão que se podia notar em muitos rostos. Essa rejeição tão frontal, que pouco tempo depois atingiria o seu ponto culminante na Paixão, deve ter sido muito dura para o Mestre.

O Senhor também quis aludir à recusa de que seria objeto ao longo dos séculos. Acaso é menor a que hoje se dá? São menores o ódio e a indiferença? Na literatura, na arte, na ciência..., nas famílias..., parece ouvir-se um alarido gigantesco: Nolumus hunc regnare super nos!, não queremos que Ele reine sobre nós! Ele, “que é o autor do universo e de cada uma das criaturas, e que não se impõe com atitudes de domínio, mas mendiga um pouco de amor, mostrando-nos em silêncio as suas mãos chagadas.

“Como é possível, então, que tantos o ignorem? Por que se ouve ainda esse protesto cruel: Nolumus hunc regnare super nos (Lc 19, 14), não queremos que Ele reine sobre nós? Há na terra milhões de homens que se defrontam assim com Jesus Cristo, ou melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque, na realidade, o verdadeiro Cristo, não o conhecem, nem viram a beleza do seu rosto, nem perceberam a maravilha da sua doutrina.

“Diante desse triste espetáculo, sinto-me inclinado a desagravar o Senhor. Ao escutar esse clamor que não cessa, e que se compõe não tanto de palavras como de obras pouco nobres, experimento a necessidade de gritar bem alto: Oportet illum regnare! (1 Cor 15, 25), convém que Ele reine [...]. O Senhor impeliu-me a repetir, desde há muito tempo, um grito silencioso: Serviam!, servirei. Que Ele nos aumente as ânsias de entrega, de fidelidade à sua chamada divina – com naturalidade, sem ostentação, sem ruído –, no meio da rua. Agradeçamos-lhe do fundo do coração. Elevemos uma oração de súditos, de filhos!, e a nossa língua e o nosso paladar experimentarão o gosto do leite e do mel, e nos saberá a favo cuidar do reino de Deus, que é um reino de liberdade, da liberdade que Ele nos conquistou (cfr. Gál 4, 31)”5.

Pôr-nos-emos a serviço de Cristo como nosso Rei e Senhor que é, como Salvador da Humanidade inteira e de cada um de nós. Serviam!, servirei, Senhor, é o que dizemos na intimidade da nossa oração.

III. DEPOIS DE ALGUM TEMPO, aquele senhor voltou com a investidura real e recompensou generosamente os servos que tinham trabalhado por fazer render o que haviam recebido; mas castigou duramente os que na sua ausência o tinham rejeitado, e sobretudo um dos administradores que havia perdido o tempo e não fizera render a mina que recebera. “O mau servo não se aplicou e nada devolveu; não honrou o seu amo e foi castigado. Glorificar a Deus é, pelo contrário, dedicar as faculdades que Ele me deu para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo, e assim devolver-lhe todo o meu ser”6.

Este é o fim da nossa vida: dar glória a Deus aqui na terra pelo bom uso de todas as coisas que recebemos, e depois na eternidade, com a Virgem, os anjos e os santos. Se o tivermos sempre presente, que bons administradores seremos dos dons que o Senhor nos quis dar para com eles ganharmos o Céu!

“Nunca vos arrependereis de tê-Lo amado”, costumava dizer Santo Agostinho7. O Senhor é bom pagador já nesta vida quando somos fiéis. Que será no Céu! Agora temos que propagar o reinado de Cristo na terra, no meio da sociedade em que nos movemos; sentir-nos permanentemente responsáveis por dilatá-lo no ambiente em que nos desenvolvemos, a começar pela nossa família: “Não abandoneis os vossos pequenos; contribuí para a salvação do vosso lar com todo o esmero”8, aconselhava vivamente o santo bispo de Hipona.

Nestes dias, enquanto esperamos a Solenidade de Cristo Rei, podemos preparar-nos para ela repetindo algumas jaculatórias que venham a dizer: Regnare Christum volumus!, queremos que Cristo reine! E que esse reinado seja uma realidade em primeiro lugar na nossa inteligência, na nossa vontade, no nosso coração, em todo o nosso ser9. Por isso pedimos: “Meu Senhor Jesus: faz que eu sinta e secunde de tal modo a tua graça, que esvazie o meu coração..., para que o preenchas Tu, meu Amigo, meu Irmão, meu Rei, meu Deus, meu Amor!”10

(1) Lc 19, 11-28; (2) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 121; (3) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 45; (4) Apoc 22, 12-13; (5) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 179; (6) Joseph Tissot, La vida interior, pág. 102; (7) cfr. Santo Agostinho, Sermão 51, 2; (8) Santo Agostinho, Sermão 94; (9) cfr. Pio XI, Carta Encíclica Quas primas, 11.12.25; (10) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 913.

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